
Legislação portuguesa e brasileira sobre a classificação dos impressos
A legislação portuguesa que trata do patrimônio cultural daquele país é a Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro, denominada Lei de Bases do Patrimônio Cultural, que visa estabelecer os fundamentos da política e do regime de proteção e valorização do património cultural português.
De acordo com a legislação supracitada, são considerados bens culturais aqueles que “integram o património cultural, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização.”
Em Portugal, o processo de tombamento é denominado classificação, e segue critérios objetivos. Ou seja, para um bem ser protegido pela lei em questão, deve conter as seguintes características, conforme prevê o artigo 17.º: a) O caráter matricial do bem; b) o gênio do respectivo criador; c) o interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso; d) o interesse do bem como testemunho notável de vivências ou fatos históricos; e) o valor estético, técnico ou material intrínseco do bem; f) a concepção arquitetônica, urbanística e paisagística; g) a extensão do bem e o que nela se reflete do ponto de vista da memória coletiva; h) a importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica; i) as circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem.
Considerando que o bem apresente as características acima, dar-se o processo de classificação, que conforme o artigo 18.º: “entende-se acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural.” Nesse mesmo artigo, prevê que os bens classificados são protegidos e sua exportação é proibida, conforme inciso 3: “Dos bens móveis pertencentes a particulares só são passíveis de classificação como de interesse público os que sejam de elevado apreço e cuja exportação definitiva do território nacional possa constituir dano grave para o património cultural.”
A partir do momento em que o bem é classificado de acordo com o artigo 31.º, da Lei de Bases do Patrimônio Cultural, passa a receber tutela especial do Estado Português, conforme prevê o seu inciso 1: ”Todo o bem classificado como de interesse nacional fica submetido a uma especial tutela do Estado, a qual, nas Regiões Autónomas, deve ser partilhada com os órgãos de governo próprios ou, quando for o caso, com as competentes organizações internacionais, nos termos da lei e do direito internacional.”
Destarte, considerando o que se expressa acima, os impressos que compõem esse arquivo não se enquadram nessa proteção por não atender ao disposto no artigo 17.º, da Lei de Bases do Patrimônio Cultural conforme se elucida abaixo:
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O carácter matricial do bem: os impressos são vias tipográficas produzidas para informação, não são documentos primários assinados;
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O valor estético, técnico ou material intrínseco do bem: os impressos não apresentam valor estético especifico pois são produzidos visando a mera informação legal podendo estar em posse de entes públicos e privados, e são reproduzidos sempre que necessário;
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A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica: os impressos não apresentam nenhuma informação nova ou relevante para estudo que já não seja de amplo conhecimento histórico e científico.
Diante desse cenário, o fato que os impressos são amplamente comercializados e exportados não recebendo nenhum tutela específica do Estado Português conforme previsto na Lei de Bases do Patrimônio Cultural configura-se evidente que eles não são detentores de valor cultural ou são pertencentes ao rol do que se considera patrimônio cultural daquele Estado. Para citarmos alguns exemplos, é possível encontrar largo acervo em estabelecimentos comerciais com os agentes comerciais daquele país.
Outro marco legal importante na gestão documental é a Lei nº 8.159/1991, que dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados. Lê-se no seu Art. 11: “Consideram-se arquivos privados os conjuntos de documentos produzidos ou recebidos por pessoas físicas ou jurídicas, em decorrência de suas atividades”. Ressalta-se que o nosso curador, que detém alta formação nessa área específica, adquiriu legalmente todo o acervo em função de sua atividade acadêmica, estabelecendo um arquivo privado, agindo de acordo com a devida regra.
Ademais a isso, mesmo que os impressos fossem caracterizados como bens do patrimônio cultural brasileiro, de acordo com a Lei 8.159 a alienação dessa natureza de documentos é possível, conforme o artigo 13: “Os arquivos privados identificados como de interesse público e social não poderão ser alienados com dispersão ou perda da unidade documental, nem transferidos para o exterior. Parágrafo único - Na alienação desses arquivos o Poder Público exercerá preferência na aquisição”
Considerando ainda a Lei nº 8.159/1991, no seu Art. 15: “Os arquivos privados identificados como de interesse público e social poderão ser depositados a título revogável, ou doados a instituições arquivísticas públicas”, ou seja, que mesmo os arquivos sendo considerados de interesse público, não possui o Estado Brasileiro, o poder de sequestrá-los ou mesmo desapropriá-los.
A partir da Constituição de 1988 houve o reconhecimento por meio do Estado dos bens de natureza imaterial, que foram definidos no artigo 216:
Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).
Entretanto como a Constituição Federal trata de forma bastante genérica da caracterização dos bens considerados patrimônio cultural brasileiro a sua definição deverá ser realizada por outros instrumentos.
Uma das principais ferramentas de controle do comércio irregular de bens culturais protegidos de valor permanente é o Cadastro de Negociantes de Obras de Arte e Antiguidades - CNART que se constitui um cadastro nacional que objetiva disponibilizar o registro de comerciantes e agentes de leilão que negociam objetos de antiguidade, obras de arte de qualquer natureza, manuscritos e livros antigos ou raros.
Observa-se também que o CNART prevê a comercialização de bens da mesma natureza dos apreendidos conforme prevê itens II, IV e V de seu regulamento: II – Obras de arte, documentos iconográficos e objetos de antiguidade, de qualquer natureza, produzidos no Brasil até o final do século XIX (1900 inclusive) ou no estrangeiro, inseridos na cultura brasileira no mesmo período; IV – Os conjuntos ou coleções de documentos arquivísticos, de qualquer gênero, produzidos ou reunidos por uma mesma pessoa, família ou instituição, sem limite cronológico, relacionado à história do Brasil; e V - Os documentos arquivísticos manuscritos, impressos e mistos relacionados à história do Brasil, temas ou pessoas relevantes para a historiografia brasileira e a paisagens ou situações sociais brasileiras, produzidos até o século XX (2.000 inclusive).
Nesse sentido o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional estabeleceu o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) que se trata de uma metodologia de pesquisa desenvolvida pelo órgão para produzir conhecimento sobre os domínios da vida social aos quais são atribuídos sentidos e valores e que, portanto, constituem marcos e referências de identidade para determinado grupo social.
Considerando que os impressos são de origem portuguesa, o Brasil é signatário de tratados internacionais que tratam do assunto. A “Convenção Relativa às Medidas a Adoptar para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência Ilícitas da Propriedade de Bens Culturais”, adotada em Paris na 16.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, define os bens culturais em mais de dez categorias:
ARTIGO 1.º Para os efeitos da presente Convenção, são considerados bens culturais os bens que, por razões religiosas ou profanas, são considerados por cada Estado como tendo importância arqueológica, pré-histórica, histórica, literária, artística ou científica e que pertencem às categorias seguintes: a) Colecções e exemplares raros de zoologia, botânica, mineralogia e anatomia; objectos de interesse paleontológico; b) Bens relacionados com a história, incluindo a história das ciências e das técnicas, a história militar e social, e com a vida dos governantes, pensadores, sábios e artistas nacionais ou ainda com os acontecimentos de importância nacional; c) O produto de escavações (tanto as investigadoizadas como as clandestinas) ou de descobertas arqueológicas; d) Os elementos provenientes do desmembramento de monumentos artísticos ou históricos e de lugares de interesse arqueológico; e) Antiguidades que tenham mais de 100 anos, tais como inscrições, moedas e selos gravados; f) Material etnológico; g) Bens de interesse artístico, tais como: i) Quadros, pinturas e desenhos feitos inteiramente à mão, sobre qualquer suporte e em qualquer material (com exclusão dos desenhos industriais e dos artigos manufacturados decorados à mão); ii) Produções originais de estatuária e de escultura em qualquer material; iii) Gravuras, estampas e litografias originais; iv) Conjuntos e montagens artísticas originais, em qualquer material; h) Manuscritos raros e incunábulos, livros, documentos e publicações antigas de interesse especial (histórico, artístico, científico, literário, etc.), separados ou em colecções; i) Selos de correio, selos fiscais e análogos, separados ou em colecções; j) Arquivos, incluindo os fonográficos, fotográficos e cinematográficos; k) Objectos de mobiliário que tenham mais de 100 anos e instrumentos de música antigos (UNESCO, 1970).
Diante da legislação apresentada, é de clara, solar e de inequívoca compreensão que os impressos não podem ser considerados em nenhuma hipótese, seja legal, histórica ou técnica patrimônio cultural de qualquer Estado, já que o temas abordados são de interesse genérico das ex-colônias portuguesas e tem a mesma relação entre si, interessam tanto a Portugal, quanto a Goa, Moçambique, Angola, ou qualquer outro país que pertenceu ao antigo Império Colonial Português.